Author: Hermes C. Fernandes
•12:58 PM
Introdução à Visão Pleromática


O que significa a expressão “pleromática”?

A expressão “pleromática” deriva-se do vocábulo grego pleroma que significa plenitude, inteireza. Há várias passagens bíblicas onde esse termo é usado, principalmente nos escritos de Paulo. Por exemplo:

Jo.1:16 – “Da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça”.

Rm.15:29 – “E bem sei que, indo ter convosco, chegarei com a plenitude da bênção de Cristo”.

Ef.1:22-23 – “E sujeitou todas as coisas debaixo dos seus pés, e sobre todas as coisas o constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que enche tudo em todos”.

Ef.4:13 – “Até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo”.

Col.1:19 – “Pois foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse”.

Col.2:9-10 – “Pois nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade. E recebestes a plenitude em Cristo, que é o cabeça de todo principado e potestade”.

O que é a Visão Pleromática?

É a visão que busca compreender a amplitude da Obra e dos Propósitos de Deus para com a Humanidade e o Cosmos.

Não basta conhecer fatos relativos a obra de Deus. Deve-se conhecer os propósitos por trás dos fatos. Que Deus está agindo no Universo, não resta a menor dúvida. Resta sabermos o que Ele pretende com isso. Quais são os Seus propósitos. E para entendermos isso, precisamos de um ponto de partida.

Imaginemos a Obra de Deus como uma grande sinfonia. Nela encontramos inúmeros instrumentos, que por sua vez, emitem inúmeras notas musicais. Se isolarmos essas notas, elas ficarão desprovidas de qualquer sentido. Mas se as ouvirmos no contexto da melodia, ficaremos estarrecidos com sua beleza.

A maioria dos cristãos contemporâneos não compreende os propósitos de Deus, pelo simples fato de observarem as obras de Deus de maneira isolada uma das outras. A impressão que se tem é que nada faz sentido. O erro reside no fato de que sua observação parte das partes, e não do TODO.

É claro que as partes são importantes, mas sua importância deriva-se do TODO. Temos que partir do TODO para as partes, e não das partes para o TODO. O TODO é mais do que simplesmente a soma das partes. O TODO é que dá sentido às partes. Assim como a melodia é que dá sentido às notas musicais, não o inverso.

De onde surgem os equívocos doutrinários? Há muitas heresias baseadas em textos bíblicos isolados. Porém, tais ensinos não resistem a uma verificação ampla. São baseados em textos fora de contexto.

Um exemplo disso é a interpretação que a maioria dos cristãos faz do livro de Apocalipse. Embora ele tenha sido escrito numa ilha, ninguém tem o direito de transformá-lo em uma “ilha”. Isolá-lo do resto das Escrituras só vai provocar interpretações equivocadas. Para entender Apocalipse, devemos encontrar as conexões que há entre ele e os demais livros da Bíblia Sagrada. Devemos lê-lo à luz de Gênesis, dos Salmos, dos Profetas, dos Evangelhos, das Epístolas, em vez de lê-lo à luz das últimas manchetes dos jornais sensacionalistas.

Dentro da visão pleromática, o mais importante não são os fatos em si, mas o propósito por trás deles, e a conexão entre eles. Tudo está conectado. Deus não dá ponto sem nó.

Um fato isolado pode ser considerado ruim, como uma nota musical dissonante. Mas quando observado no contexto geral, ele pode ser considerado não apenas bom, mas imprescindível. Assim, podemos declarar como Paulo: “Todas as coisas cooperam em conjunto, para o bem daqueles que amam a Deus, e que são chamados segundo o seu propósito” (Rm.8:28).

A história é uma grande sinfonia. O universo é uma grande orquestra. E Deus é o Supremo Compositor e Maestro, cuja batuta jamais erra.

Tomando por partida uma visão pleromática, temos que rever muitas coisas. Desde a escatologia, passando pela eclesiologia, metodologia, e até mesmo pela cosmologia.

Não podemos combinar uma visão pleromática com uma visão reducionista.

Nossa busca agora é pela conexão entre as partes, para que compreendamos o sentido de tudo.

Não há ilhas de conhecimento. Isto é, não há qualquer disciplina ou ciência que deva ser entendida de maneira isolada das demais.

Numa perspectiva pleromática, não se pode admitir que igrejas devam especializar-se em alguma área específica, como cura, dons espirituais, louvor e etc. A igreja de Cristo não pode satisfazer-se com menos que o Todo. E para isso, ela deve procurar encher-se de TODA A PLENITUDE DE DEUS.

O Pleroma Divino não é algo destinado a uma classe especial de crentes. Não podemos dividir o povo de Deus em classes espirituais diferenciadas, como fez o pentecostalismo. Na visão pentecostal-carismática, o crente de primeira classe é o que fala em línguas estranhas (angelicais). Os demais, ainda que vão para o céu, vão na classe econômica! Isso é um absurdo.
Observe a oração de Paulo expressa em Efésios 3:17b-21:

“Oro para que, estando arraigados e fundados em amor, possais perfeitamente compreender, COM TODOS OS SANTOS, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo, que excede todo o entendimento, para que sejais cheios de toda a plenitude de Deus. Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera, a ele seja glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém”.

Ninguém tem direito de monopolizar o Pleroma Divino. Todos os santos devem compreender perfeitamente as dimensões do amor de Deus, e assim, serem cheios da Plenitude de Deus.
Largura, comprimento, altura e profundidade descrevem um amor multidimensional. E temos que compreender isso perfeitamente. E para isso, precisamos deixar as coisas que para trás ficam e avançar para o que é perfeito (Fp.3:12-13). “Prossigamos para a perfeição” (Hb.6:1).
“Perfeição” diz respeito à “forma”, enquanto que “plenitude” diz respeito ao “conteúdo”. O conceito de pleroma abarca ambos os conceitos. As dimensões apresentadas por Paulo expressão isso: a largura e o comprimento apontam para a forma, a abrangência dentro do espaço (todas as nações) e do tempo (eternidade). Já a altura e a profundidade apontam para o conteúdo.

Não podemos sacrificar a visão do “todo”, por uma visão focal, reducionista, que acaba subestimando o “poder que em nós opera”.

A igreja de Corinto, por exemplo, estava focalizando exclusivamente nos dons (carismas) espirituais. Eles possuíam uma visão carismática. Achavam que a obra de Deus estava limitada àquelas manifestações. Porém Paulo, ao escrever-lhes, procurou mostrar-lhes “o caminho mais excelente” (1 Co.12:31). Identificamos esse “caminho mais excelente” com a visão pleromática da obra de Deus. Alguns podem argumentar dizendo: Não é o amor o caminho mais excelente mostrado por Paulo aos Coríntios? A resposta é sim. O amor é a conexão que dá forma ao pleroma. Quando Paulo fala sobre a largura, o comprimento, a altura e a profundidade, está se referindo ao “amor de Cristo que excede todo entendimento” (Ef.3:19).

A igreja de Cristo precisa romper com a visão reducionista, que limita a obra de Deus, e subestima o Seu poder e a Sua sabedoria.

Toda ênfase exagerada em algum ponto doutrinário produz heresia, e quando não, distorções da verdade. Para que isso seja evitado, precisamos ter a visão do “todo”. Só assim poderemos perceber onde as partes se encaixam. É verdade que há “diversidade de dons”, como também “diversidade de ministérios”. Mas o Espírito é o mesmo (1 Co.12:4-5). “E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos” (v.6).

Se insistirmos numa visão reducionista, não entenderemos onde as partes individuais se encaixam no corpo, e quais as conexões entre os dons, ministérios e operações. Eles não trabalham independentes uns dos outros. Eles precisam estar interconectados, para que promovam o crescimento natural do Corpo de Cristo. Paulo nos admoesta a que “seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é o cabeça, Cristo, do qual todo o corpo bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor”( Ef.4:15-16).

A vida cristã só faz sentido em Cristo. Cristo é o Pleroma. Ele é a união entre Deus e o Homem. O Espírito Santo possibilita a conexão. E essa conexão é o Amor.

Estar em Cristo é estar conectado ao Todo. É ser parte do Todo. “Aquele que se une ao Senhor é um só espírito com ele” (1 Co.6:17). Ele é o Cabeça, nós somos o Seu Corpo. E o Universo criado é o ambiente onde esse Corpo se desloca em um eterno mover.

O pecado, ao entrar no Universo, provocou uma queda de conexão, como acontece com nosso computador vez ou outra. Por isso mesmo, o episódio ocorrido com o homem no Éden é conhecido como Queda. A partir daí, o Universo foi temporariamente desconectado de seu Provedor. Mas Cristo foi enviado ao mundo para nos reconectar à fonte. Agora, usando uma linguagem de computador, todos os programas perdidos na Queda estão sendo restaurados. O vírus letal do pecado foi encontrado e eliminado através de um poderoso antivírus: a Cruz.
Depois que o trabalho foi consumado, só nos resta uma coisa: reiniciar. E essa é a proposta de Deus para o homem e para o Universo como um todo. Uma nova configuração está iniciada por meio da Cruz. O vírus foi eliminado. Cabe ao homem apenas nascer de novo, usando uma linguagem bíblica, ou em um termo emprestado da informática, reiniciar.

O problema não está no Universo em si, mas na consciência humana. Nós somos a consciência do Universo.

A obra objetiva já foi concluída. Resta, tão-somente a parte subjetiva desta obra. Isto é, a aplicação da obra de Cristo concluída em Sua Cruz na vida de cada um.

Quando todas as consciências forem renovadas, e o pecado for definitivamente deletado delas, então Deus será TUDO EM TODOS (1 Co.15:29).

Através da Cruz, Deus reconectou todo o Universo conSigo mesmo (Ef.1:10; Col.1:20). De forma que, nas palavras de Paulo, “TODAS AS COISAS são puras para os puros, mas nada é puro para os corrompidos e descrentes. Antes a sua mente como a sua consciência estão contaminadas” (Tt.1:15). Repare que o problema não está mais nas coisas em si, mas na relação que o homem exerce com elas. Ela relação está comprometida por causa de sua consciência.

Paulo escreve em outra passagem: “Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesmo imunda. Mas se alguém a tem por imunda, então para esse é imunda” (Rm.14:14).
O mesmo Deus que no início avaliou Sua obra, dando-lhe a nota “Muito Bom”, pode agora, por causa da obra realizada na Cruz, confirmar Seu parecer.

Deus está de bem com a Criação como um todo. Sua relação com o universo criado foi reatada.
O problema é a consciência humana. Ela está viciada em culpa. Só há um jeito para isso: “o sangue de Cristo, que pelo Espírito Eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo” (Hb.9:14).

Somente uma consciência purificada pelo sangue de Cristo está apta a enxergar as coisas de uma perspectiva pleromática.

É por termos a “mente de Cristo” que podemos ver com os olhos da fé. Temos, por assim dizer, uma visão panorâmica dos fatos. Enxergamos da perspectiva do Trono. Afinal, é lá que estamos assentados em Cristo Jesus. Só quem está assentado no Trono pode dizer: “Faço novas todas as coisas (...) Está cumprido” (Ap.21:5,6). Da cruz, Ele bradou: Está consumado. Mas do Trono Ele disse: Está cumprido. Quando nos posicionamos na Cruz, compreendemos que o preço pela restauração de tudo já foi pago, e que a ordem que até então vigorava foi consumada. Já da perspectiva do Trono no apercebemos que em Cristo tudo está cumprido. Por ser o Alfa e o Omega, Ele abarca em Si toda a história. Portanto, n'Ele não há passado nem futuro. Todas as coisas estão eternamente presentes diante d'Ele.

Duas esferas distintas: a cronosfera e a kairosfera - o tempo e a eternidade. De uma perspectiva temporal, temos passado, presente e futuro. Mas de uma perspectiva eternal, só há o Agora Eterno.

A Cruz fez a ponte entre o temporal e o eterno. Nela está a síntese do tempo e da eternidade. A crucificação se dá num tempo definido, mas a Cruz é desde a eternidade. Antes que houvesse luz, houve Cruz. Daí se dizer que o Cordeiro foi morto antes da fundação do mundo (1 Pe.1;20; Ap.13:8).

Mais uma vez vamos fazer uso de uma linguagem emprestada do mundo do cilício. Um computador só é útil a partir da utilização de um programa (software). Quando instalado em nossa máquina (hardware), o programa passa a ser a própria vida do computador. Entretanto, aquele programa foi concebido muito antes. Ele existe a despeito de ser ou não executado em minha máquina. Assim também é a Cruz. Ela é real muito antes do start da História. A Cruz não foi um plano tapa-buraco. Não foi um improviso. A História deve ser vista a partir dela. Tudo deveria ocorrer para que ela se encaixasse perfeitamente. Ela é a peça principal do quebra-cabeça. O sábio Arquiteto da história preparou primeiro o cenário, dispondo as peças do quebra-cabeça de maneira que na hora certa a Cruz encontrasse seu lugar de proeminência.

Portanto, para entendermos o sentido de tudo, temos que enxergar com óculos bifocais. A Cruz e o Trono são as duas lentes destes óculos que nos possibilitam ver a realidade em todas as suas dimensões. Consumação e Cumprimento. Forma e Conteúdo. Altura e Profundidade. Largura e Comprimento.

Quem nunca teve a experiência de assistir a um filme em 3D? Com a utilização dos óculos especiais, as imagens projetadas na tela ganham três dimensões. É como se tivéssemos dentro do filme. Sem os óculos a tela é plana. Tudo é visto em apenas duas dimensões: comprimento e largura. Mas com eles, ganha-se uma dimensão extra: a profundidade. Daí a impressão de que o soco desferido pelo mocinho vai nos atingir o rosto.

Sem a lente da Cruz, nada parece estar consumado. Nossa relação com Deus ainda não foi resolvida. Temos que buscar conquistar Suas dádivas por méritos próprios. A lente da Cruz é feita de amor. Enquanto que a lente do Trono é feita de fé. O Amor e a Fé operam em conjunto, dando-nos uma visão perfeita da obra e do propósito de Deus.

Sem a lente do Trono, nada foi cumprido ainda. A História está em aberto. Tudo pode acontecer. Os planos de Deus parecem correr o risco de fracassar. A lente do Trono é a fé, e esta é a certeza das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se vêem (Hb.11:1). Pra quem vive de vista, tudo está por vir. Pra quem vive por fé, tudo está feito (2 Co.5:7). É como assistir a um filme depois de ler o livro que inspirou seu roteiro: você já sabe o final.

Pra quem enxerga a vida da perspectiva pleromática, tudo parece dejávu. Não que tenhamos vivido a mesma história antes, mas que em Cristo tudo está cumprido.

A fé nos faz enxergar o agir de Deus em tudo. O amor nos faz ver o propósito de Deus em tudo. Tudo quanto há e acontece visa o bem dos amados de Deus. O universo inteiro conspira em nosso favor.

A fé nos conecta à mente de Deus. O amor nos conecta ao Seu coração.

Um Evangelho que tenha Cruz, mas não tenha Trono é míope. Um Evangelho que tenha Trono, mas não tenha Cruz também o é. Pior, porém, é um Evangelho que creia nas duas realidades, mas não as vê em conjunto. Esse é estrábico. Quando João recebe a revelação do Trono, ele vê ali um Cordeiro, como se houvesse sido morto (Ap.5:6). Não podemos dissociar uma coisa de outra. O Cristo que reina soberanamente, ainda trás nas mãos as feridas feitas na Cruz.

Trono e Cruz; Reino e Graça. Um não existe à parte do outro. O Trono para o qual devemos nos dirigir em busca de socorro e misericórdia não é outro senão o “Trono da Graça” (Hb.4:16).